terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A poesia não serve para nada #7

O POETA CERCADO


O poeta está cercado. Espera-o
um avô muito velho.
As cartas chegam com pequenas manchas
de lágrimas -- alguém ao longe invoca
o poeta cercado. E ele grita:
afaste-se a noite. Mas vem a noite
cercá-lo ainda mais.
Uma casa com um avô muito velho
manda revistas, soluços, cartas,
apaga-se na distância. (Mas vem o medo
cercá-lo ainda mais.)

O poeta escreve os seus papéis
furtivamente.
Come com gestos lentos e imprecisos.
Bebem em silêncio. Olha as matas em volta.
Dorme enrolado no seu cobertor
como o romeiro do Senhor da Serra,
mas pior, e menos, porque não há deus.

O poeta cintila penosamente
entre o nevoeiro.


Fernando Assis Pacheco (2006), A Musa Irregular, Lisboa: Assírio & Alvim, p. 46.